terça-feira, 23 de junho de 2009

Naquele dia ela estava mais bela do que nunca. O sol que entrava pela janela iluminava-lhe o rosto, a pele e deixava perceber o brilho dos seus cabelos negros. Ainda dormia.
Ele, já acordado, fitava-a com aquele brilho, com o encanto e a ternura dos apaixonados. Embora não fosse esse o sentimento que o prendia a ela. O que o ligava àquela mulher era um certo fascínio pela sua beleza, pela sua vivacidade e pelo afecto incondicional que ela tinha por ele. Ela era, de facto, extraordinária, mexia-lhe com os sentidos, dava-lhe prazer e ele rendia-se a isso.
Naquela manhã, ao vê-la na sua cama, assim despida, naquele sono inocente, não conseguiu deixar de se sentir um canalha. Percebeu que não poderia nunca ama-la, não da forma como pretendia amar uma mulher, não da forma que ela o amava, e decidiu que tinha chegado a hora de deixa-la partir. Mas, como poderia ele fazê-lo se ela lhe fazia tanta falta e enchia o mundo dele de vida e cor.
Ela abriu os olhos e fixou o seu olhar nele, aquele olhar profundo e irresistivelmente sedutor que só ela sabia e que ele adorava. Esboçou um sorriso, enroscou-se nele como se fosse uma serpente, sentiu-lhe o cheiro e deixou-se ficar em silêncio.
Quem os visse ali deitados, jamais imaginaria que não eram um casal, que não tinham sonhos nem projectos em conjunto, que jamais pensaram viver um com o outro até ao fim dos seus dias.
Ele estava ausente com o olhar vazio, adiava de minuto para minuto o momento em que lhe teria que dizer o que lhe ia na alma, e que sabia que a magoaria.
Ela conhecia-o tão bem que logo lhe percebeu a tensão, e no seu íntimo sabia o que lhe ia no pensamento, era exactamente o que não queria ouvir, que evitava a todo o custo, e que desejava profundamente que fosse apenas uma insegurança sua. Afastou-se dele, esperou que ele reclamasse a distância.
Nesse instante, ele inclinou-se sobre ela, afagou-lhe os cabelos, deu-lhe um beijo terno na testa e deu inicio ao inevitável e amargo discurso:
- És tão linda… Sabes que te adoro, que te admiro e que quero muito que sejas feliz.
As palavras dele eram pausadas, secas e até chegavam a parecer nuas de sentimento.
Ela olhou-o expectante, paciente e silenciosa, sorriu-lhe e deu-lhe a mão. Ele prosseguiu:
- A verdade é que não temos futuro juntos e por muito que me custe esta nossa amizade especial terá que dar lugar a uma amizade… sei lá, normal. Não te quero magoar e sinto que te estou a usar, embora também me dê a ti. A minha cabeça está uma confusão, se eu te conseguisse explicar…mas, nem eu me compreendo, é um sentimento contraditório. Diz-me que compreendes, que vais conseguir lidar com isto!
Não disse mais nada, não conseguia explicar ou talvez não quisesse abrir-se com ela, não queria expor-se, não queria correr o risco de a magoar através do uso de palavras erradas.
Ela disfarçava a dor que lhe perfurava o peito, mordendo o lábio, tinha o olhar preso ao tecto numa luta contra as lágrimas. Ele olhava para ela com uma enorme tristeza, esperando que ela rompesse o silêncio e lhe respondesse.
Passaram uns minutos, ela arrastou-se pelo colchão e ele percebendo que ela se ia levantar, tentou impedi-la, agarrou-lhe o braço.
- Olha para mim, diz qualquer coisa, por favor!
Ela levantou-se, começou a vestir-se com uma pressa exagerada. Queria sair dali, queria afastar-se daquele homem que lhe causava tanto sofrimento, que não fazia um esforço por acreditar que poderiam ser felizes, que não tentava nem queria ama-la. No fundo, o que mais lhe doía era o facto de ter a certeza que se ele desse uma oportunidade àquele amor, seriam felizes. Doía-lhe a falta de coragem dele, o medo de tentar. Não compreendia o motivo que o levava a ir contra os seus sentimentos, pois sabia que ele gostava dela e não entendia o que o fazia desistir.
Já vestida, olhou para a cama sem olha-lo e disse apenas uma palavra:
- Adeus! a voz rouca denunciava a emoção desesperadamente contida. Saiu do quarto.
Ele estava imóvel e ficou na cama a ouvir os passos dela em direcção à porta até esta bater e o som dos saltos dela desaparecer. Não era aquilo que ele queria, não era mesmo, contudo, não havia solução.
Ela bateu a porta de casa, deu uns passos, aninhou-se como uma criança perdida e desatou num choro profundo. Uma coisa apenas lhe percorria a mente - Porque é que ele nunca deu o devido valor ao seu amor, porque é que não quis tentar, porque é que nunca se deixou cativar de verdade.

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