quarta-feira, 3 de abril de 2013

Gostar, Adorar e Amar

No que toca às tralhas do sentir, da afeição, da satisfação e do apreço, ao longo da vida, já toda a gente sentiu o peso da emoção do que é gostar, adorar e amar.
Muitos dirão que isso é tudo a mesma coisa, que só varia na intensidade ou no contexto. Ora, não poderiam estar mais enganados pois não poderiam ter significações mais distintas.
O que acontece é que as pessoas ou não as conhecem ou confundem-nas. O mesmo se pode dizer em relação aos verbos detestar e odiar ou às expressões de reconhecimento e gratidão "agradecido" e "obrigado" que, embora muito semelhantes, não querem dizer exactamente a mesma coisa.
Dos principais verbos sentimentais, aquele que as crianças mais cedo aprendem é o gostar, um pouco depois o amar, e só muito mais tarde, o adorar. As crianças repetem que gostam ou que não gostam disto e daquilo, de tudo e mais alguma coisa.
Mesmo na pré-escola ou na escola primária, é frequente ouvirmos os miúdos dizerem "Gosto daquela menina.". Gostar é inocente, é simples, é genuíno.
Por outro lado, se pensarmos em cartas de amor, que toda a gente já escreveu ou recebeu, pelo menos na escola, é quase sempre o verbo amar que lá está, é o sentimento ido ao mais profundo, aquele que dilacera, é o "Amo-te!".
O adorar chega-nos muito mais tarde, talvez por se referir a um sentimento um tanto complexo. E o mais espantoso é que é usado para tudo e mais alguma coisa.
Há quem diga que não é só o adorar, que o gostar e o amar se banalizaram da mesma forma, o que não deixa de ser verdade.
Basta pensarmos no Facebook, essa rede social onde, num minuto, podemos "gostar" de uma data de coisas. Assim, sem pensar muito, tantas vezes sem se gostar de facto, gosta-se e pronto. Deturpa-se a palavra e o sentimento, acabando por se usar o gostar como uma espécie de marcador, ao estilo "Sim, eu li isto." ou "Isto não me foi indiferente.".
O amar, dizem por aí, já não é usado com verdade e é usado com demasiada facilidade. Há quem vá mais longe e diga que já não se ama como antigamente, que só se devia amar uma vez na vida e que hoje, ama-se desenfreadamente, muito e muitas vezes, ao invés de se contar pelos dedos das mãos as vezes, ou as pessoas que se ama.
Parece-me que, muito por isto, o adorar surge como a alternativa razoável, a que não é pouco nem diz de mais. É ali o intermédio, numa espécie de escala de intensidade e que, com muita sorte para nós, encaixa em quase tudo, desde pessoas até lugares ou objectos. Portanto, vê-se por aí um sem fim de adorações.
Ora, isto assusta-me, confesso mesmo que me causa urticárias ouvir pessoas dizerem umas às outras coisas do tipo "Nem sabes o quanto te adoro…" ou "Eu não gosto de ti, eu adoro-te!", imagino logo uma cena - um prostrado no chão a prestar veneração, num amor de idolatria absoluta, de penitência, num beija-pés e o outro num pedestal, meio inacessível. E o marketing relacionado com o amor ou com o (mais do que piroso e ridículo - absurdo!) Dia dos Namorados alimenta este erro, é comum ver-se nas montras das lojas, por altura do 14 de Fevereiro, uma panóplia gigante de artigos desde o peluche até ao mais comum postal, com frases estapafúrdias ao estilo "Adoro-te minha querida!" ou "Adoro-te para sempre!".
Pessoa nenhuma deveria adorar outra pessoa - medo, tenho muito medo destas adorações!
Para mim, este é, verdadeiramente, o grande problema da nossa sociedade e das pessoas e o motivo, mais do que bastante, para o fracasso das relações inter-pessoais. Mais do que se amarem pouco ou odiarem muito, o grande flagelo é esta tendência patética das pessoas se adorarem umas às outras.
Adorar é coisa de deuses, coisa assim idolatrada e, é comum até ouvir-se - Adorar só a Deus! Só que as pessoas não têm consciência de que adorar é um gostar, sim, mas um gostar a roçar o endeusamento e, porquanto, a insensatez de um orgulho todo ele demasiado.
Não me parece, de todo, possível que duas pessoas que se adoram possam ter uma relação amorosa ou de amizade. Numa relação de adoração não é possível termos duas pessoas ao mesmo nível, no mesmo patamar do sentir. E ainda que no amor cada um possa ter a sua forma ou a sua profundidade de amar, o seu patamar (numa relação de amor conjugal nem sempre as duas pessoas amam da mesma maneira, pode haver uma que ame mais do que a outra - isto se é possível medir-se a coisa, que eu, modestamente, acho que não), adorar implica uma certa sujeição em que não se está numa situação de partilha. Está-se, antes de mais, numa situação de culto.
Culto também é amor? Sim, digamos que é uma de muitas formas de amor. Só que é um amor de respeito tal que não deixa espaço ao toque, é demasiado civilizado, é perfeito e inquestionável, é um amor de paz. E o amor ou amizade não podem ser tão civilizados que não permitam que, de quando em vez, num genuíno reflexo da nossa condição de imperfeição, se questione, se magoe, se grite e esperneie e até, se perca a razão e a noção.
O amor de casal ou uma verdadeira amizade, não podem ser tranquilos e inquestionáveis porque são sentimentos de reciprocidade entre seres imperfeitos, e o que é imperfeito não é polido. Pelo contrário, é um interminável caminho na busca pelo entendimento e aceitação.
Aceito que se possa adorar partes de alguém, por exemplo, eu adoro a mente de algumas pessoas, mesmo! Adoro a genialidade de alguns pensamentos, posso adorar uns olhos, talvez. No entanto, não estou com isto a adorar a própria pessoa porque isso implicaria um todo venerável, perfeito e absoluto, e isso é impossível entre pessoas de carne, vulneráveis, imperfeitas e comuns mortais.
Percebo quem não pensa assim, para quem adorar é uma forma profunda de gostar de alguém semelhante, um homem, uma mulher, um filho, um pai, um amigo… Dos sentimentos não se julga, cada um tem os seus, obviamente. Mas juro que não entendo quem me diz que usa a expressão "adoro-te" porque gostar é pouco e amar é muito.
Acho, sobretudo, que as pessoas têm medo de amar ou de dizer que amam e não alcançam a grandiosidade de se gostar, que julgam sempre básico, poucochinho. Gostar é o sentimento primordial, é tão simples quanto importante e, se gostar de alguém é tanto, gostar muito é valioso.
Já amar, amar não é para todos, amar é um privilégio. Como que um dom que não se confere a qualquer um e, nessa medida, ainda que dispense desfiles e vanglórias parvas, deve ser assumido, gritado e, mais do que tudo, dito a quem se ama.
Quase que aposto que muitas das pessoas que dizem que adoram alguém, dizem-no com medo de dizer que amam. Ou, como já disse, como não sabem o seu verdadeiro significado, até julgam que adorar é muito mais do que amar, muito mais impressionável e capaz de causar no outro maior admiração.
A juntar a este medo miserável das pessoas amarem, este medo que arruma com as relações e trucidera os sentimentos mais puros, há também uma certa inércia disparatada.
Quero com isto dizer que, para muito boa gente, basta dizer o que se sente e que para o outro tem que bastar sabê-lo ou ouvi-lo. E, a partir do momento em que dizem que gostam, adoram ou amam, não é preciso fazer mais nada. A coisa basta-se por ali, exonerando-se eles próprios de qualquer necessidade de o demonstrar.
Até vou mais longe, se porventura alguém questionar (e lá está, se fosse adoração, seria inquestionável), a resposta é quase sempre - "Mas eu disse que te adoro, isso não te chega? Devia chegar saberes o que sinto por ti, mas tu queres de mais, queres sempre de mais.". E diga-se, há pessoas que, infelizmente, têm sempre muito medo de alguém que gosta ou ama "de mais" (é impossível o adorar ser de mais, porque adorar é já por si algo demasiado, logo não se pode adorar de mais - mais uma vez, um indício da confusão de que tenho vindo a falar).
No fundo, talvez não seja só uma questão de desconhecimento de significados e de confusão destes mas, uma verdadeira questão de medo, digo eu.
Da mesma forma, afirmo veemente que pessoa alguma me ouvirá dizer que a adoro, porque das pessoas eu gosto, muito ou pouco, ou até nada. E defendo que devia ser assim, sempre!
Da minha parte, não adoro nem nunca adorei ninguém, adoro sim, por exemplo, poesia - é assim uma coisa idolatrada, adoro vinho e comida - são verdadeiramente objecto de culto da minha parte, quase uma religião.
Portanto, não desejo nem espero mais do que gostem de mim, me amem ou até que me odeiem mas que nunca, mesmo nunca, me adorem de maneira alguma. O mesmo aconselho a toda a gente, a bem do amor e das relações, não adorem ninguém e se alguém vos adorar, fujam o mais que possam. Porque adorar assim, pode ser demência ou, pelo menos, doentio.