domingo, 22 de março de 2015

30 Anos

No dia 21 de Março de 1985, num quarto da Ordem do Terço, no coração do Porto, vim ao mundo. Quando todos esperavam o João, a médica foi ao quarto e disse ao Pai: “Parabéns, é mais uma menina!”.
Sim, mais uma, nasci com estatuto de irmã mais nova (e valho-me dele para tudo quanto seja compatível) e de neta mais nova dos dois ramos familiares (um estatuto do qual sempre gostei, embora ultimamente, com os primos todos “arrumados” já só sirva para ouvir “Faltas tu!” ou “Já tens idade para…”).
Depois de algumas tentativas de suborno para que me dessem o nome de Maria Rosa e Ana Maria, e tendo em conta que a Mãe definiu antecipadamente que a nascer uma fêmea teria que ter como segundo nome Conceição (podia lhe ter dado para pior - mães deste mundo façam promessas que vocês cumpram, não as vossas crias) e este não ligava bem com Catarina nem com Margarida, a Avó sugeriu Raquel – eternamente grata pois que gosto muito e assenta-me que nem uma luva.
Fui uma criança maria-rapaz (aos 4 anos pedi para cortar o cabelo “como os meninos” e cortei), respondona (o pobre podia ir sem esmola mas nunca sem resposta), avessa a ordens (apanhei algumas sapatadas, bem merecidas). Dei trabalho aos pais (em boa verdade, continuo a dar).
O dia em que nasci, o primeiro dia da Primavera e o Dia Mundial da Poesia, só isso já diz metade do que sou.
Trinta anos depois…
Continuo uma miúda de olhos de azeitona preta curiosos, de gargalhadas profundas, de cabelo desgrenhado e estilo esquisito. Um tanto “cara de má” para quem não conheço (por timidez, não por antipatia) e, confesso, continuo a levantar o sobrolho. Dizem (e eu concordo) que tenho o pavio muito curto, um coração que fala pela boca e uma razão que, na fila, se põe sempre atrás da acção (tenho o doutoramento em acção por impulso). Uma miúda de sorriso e conversa fáceis (continuo a falar com estranhos com a maior naturalidade deste mundo).
Continuo uma pateta alegre como sempre me chamaram e “a ciganita” a par de tantos outros nomes carinhosos de que gosto muito - Quelinha, Piriquita, Garota, Raquelita, Raki, Mosquito.
Da mãe herdei o génio impulsivo, o lado lamechas, a generosidade e a alegria. Do pai herdei a curiosidade, a música, o lado “engenhocas” e as parecenças físicas (ah, e segundo a mãe, uma certa preguiça desorganizada, mas desvalorizo porque todos sabemos que as mulheres têm esta tendência de acusar os homens da desorganização e, claro, no que é “mau” sai sempre ao pai). De ambos veio a criatividade, um certo altruísmo fora de moda, a educação e tanto e tanto…
Dos avós, guardo os melhores exemplos (e tenho tantos) e os valores que sigo e pelos quais me bato, as histórias que nunca me cansei de ouvir e que, hoje, dou por mim a contar. Talvez tenha herdado esse lado de contadora de histórias e o gosto pelo convívio com os mais velhos. Foi, sem dúvida, deles que herdei a fé.
Ainda hoje não sei de quem herdei os caracóis, mas possibilidades não faltam nos dois ramos.
Na família que amo tenho o meu pilar, o meu abrigo e a minha história. E dou muito valor a isso.
Desde miúda, e isso não mudou de forma alguma, continuo obcecada com a língua portuguesa escrita e falada. E desde essa altura que oiço constantemente “devias parar de corrigir as pessoas, principalmente à frente de outras pessoas”, a segunda parte tenho evitado!
O espírito crítico e a exigência (e é espantoso porque até sou trapalhona) também me perseguem desde pequenina. Isso e a agressividade nas palavras, inconsciente mas que reconheço.
Sou a pontualidade em pessoa, é tão raro atrasar-me, mas mesmo tão raro. E é giro porque, por outro lado, sou a “sem horas”, mudo e marco compromissos em cima da hora e nunca rejeito um convite (a não ser que não possa).
Sou exagerada, dramática e insegura nalgumas coisas. Às vezes, acho que é o fim e deprimo-me com facilidade, mas salva-me o amor, o que sinto e o que me têm.
Dizem que tenho memória de elefante e compreendo. Embora possa afirmar com sinceridade que: Poderei não me lembrar de todos os nomes dos teus amigos e talvez não faça esforço por isso. Poderei não me lembrar do que comi ontem. Mas lembrar-me-ei para sempre, de todos os olhares, de pormenores de que tu nem te lembras. Lembrar-me-ei sempre das datas (dos dias e às vezes das horas) e de todas as conversas. Sim, tenho conversas guardadas na cabeça desde “o arroz de 15”.
E por falar em “arroz de 15”, gosto de expressões populares e tenho as minhas expressões características que arrancam gargalhadas aos meus amigos.
E por falar em amigos, sinto-me abençoada pelos que tenho e que amo incondicionalmente. Tenho os melhores amigos do mundo e que me revelam o seu amor, tantas vezes, em pequenos gestos que jamais esqueço. Pelo caminho perdi alguns mas é inevitável… Aprendo muito com os meus amigos e é deles que oiço os maiores elogios e as maiores críticas.
São a força que me eleva quando penso que o mundo é demasiado agressivo para mim e que me vai engolir.
Dos amigos e da família exijo muito, talvez porque lhes dou tudo de mim. Zango-me algumas vezes com eles, mas tenho para mim que só as pessoas que não se conhecem nem se amam, não se zangam umas com as outras.
Gosto de viajar, de escrever, de música, de dançar, de beber whisky e vinho tinto, de comer, de cozinhar, de saber, de criar, de conversar, de mergulhar no mar, de casas cheias, de abraços, de beijos, de declarações de amor, de cartas, de conhecer, de moda… Como chocolate quase todos os dias. E tenho saudades de pessoas, de lugares, de momentos… Saudades, tenho muitas, diariamente. Não gosto de dormir porque me parece sempre um desperdício de tempo, porque tenho uma sede infinita de viver. Adoro flores do campo e perfume (cá em casa dizem que bebo perfume). Gosto de romarias e pimbalhadas.
Tenho medo da morte e penso muito nela, penso cada vez mais e dói-me pensar no fim, na perda…
Por falar nisso, já agora acrescento que daria a minha vida pela minha irmã. E choro quando penso no amor que lhe tenho. Esteve sempre comigo, antes de ter consciência de mim, já tinha consciência da presença dela, é uma espécie de órgão vital do meu corpo. Mas já andámos à chapada muitas vezes!
Hoje já não faço fretes. Hoje viro costas ao que não me faz bem (embora possa demorar a perceber que não me faz bem). Hoje peço desculpa mais facilmente. Hoje perdoo o imperdoável mas não volto. Hoje digo mais vezes não (e ainda assim digo poucas). Hoje sou mais flexível (e esforço-me por ser sempre mais). Hoje sou mais consciente. Hoje sou menos fútil. Hoje (talvez não seja de hoje) estou a marimbar-me para o politicamente correcto, mesmo! Hoje digo que vou tentar e não que não sou capaz.
O telefone continua a ser um bicho para mim, deixo-o tocar até que do outro lado a pessoa desista. Detesto falar ao telefone, é uma fobia. Também tenho fobia a ambientes confusos, quentes, cheios, desconfortáveis e… sinto-me mal e caio para o lado. Detesto trânsito e correrias (há 2 meses, perdi a paciência, saí do carro e fui a pé pelo meio dos carros).
Gosto de observar as pessoas e perco tempo a “estudar” as relações humanas. Talvez seja por isso que consigo dar respostas e conselhos, tantas vezes, tão certeiros. Aliado a isso, uma enorme intuição.
Também faço análises constantes a mim e ao meu percurso e, apesar de nem sempre o expressar, reconheço em mim alguns dos defeitos que me apontam (tento melhorar sempre).
E pronto, sou mais ou menos esta Raquel de 30 anos     

P.S. Continuo a saber de cor textos que li na escola primária e músicas dos Onda-Choc e dos Mini Stars.