quinta-feira, 21 de julho de 2011

Veneno

Escondes-te por entre paredes de lodo.
Reconstróis tímidas muralhas de lama.
Da mais fétida e frouxa espécie de tapume.
Não consta que a desonra se possa cobrir assim.
Mergulhas num colossal poço de infâmia.
Tropeças em poeiras que se levantam e turvam o horizonte.
Rodopiam em volta de ti em danças atraentes.
E cais, cais sempre…
Segues por cada esquina onde procuras o aconchego que não chega.
São abraços desesperados e fáceis que te procuram por lá.
É tudo tão comoventemente falso e trágico.
Não te sobra nada, há só um vazio calado.
Um preço demasiado alto para uma fraqueza sem controlo.
Já não te conheces e repudias toda esta desdita.
Mas há uma falta que grita e te inflama.
É agigantada, assustadoramente superior a ti.
Consome-te o corpo impecavelmente vestido de inércia.
Suplica-te que faças a vida correr nas veias.
E tu dás-lhe, entre cada espasmo impiedoso, o alimento envenenado.
A cada dia o lamaçal se torna maior e mais sujo.
A cada dia espreitas com indiferença o precipício da destruição.
Desejas que o fim inunde tudo definitivamente.
Que se te apresente breve como a vida que deixaste passar.
Queres que o êxtase vá subindo no seu modo calmo.
E que a paz te abrace pondo fim à miserável luta.
Esta revolta…

sábado, 16 de julho de 2011

Refém

É como se o meu corpo fosse um território em guerra.
É como se um fogo queimasse tudo.
Já não sei quem há segundos era.
A cada segundo me transformo e mudo.
Um calor que me consome e nada o detém.
Uma guerra em que não luto e sou apenas refém.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Revelação

Revelaste o que não se pode revelar.
As suspeitas são tão imaculadamente desgraçadas.
São funestas como balas, são perigosas para a alma.
E agora tudo ficou desenxabido à nossa volta.
Todo o sentir é uma coisa pouca, uma banalidade de rua.
Todo o calor tem um sabor a nada, a mácula.
Duvidar do amor é o que de mais profano se lhe pode fazer.
Porque uma dúvida não se revela assim.
Sabes, no gostar há um sentir sem previsões temporais.
Não há rituais, fórmulas mágicas nem prazos.
Gostar é ter a certeza de cada batimento, cada pulsar.
É certo para sempre.
E o para sempre é a cada segundo, é o já, o agora, o aqui.
Adivinhares até quando durará, é matares o sentir no momento.
E não é de momentos que se constrói a vida?
Amanhã ninguém sabe, é mistério.
Assim só, sem ponderações pegajosas e enganadoras.
O amor não se pensa, não se ensaia nem se planeia.
O amor mirra com o pensar e, com ele, melindra-se cruelmente.
Se duvidas, acredita meu amor, é porque não amas.
Amar é naturalmente declarado, é manifestação em si.
E essa é tão-só a mais simples das revelações.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Metade não chega...

Rasgo a vontade em pedaços sem fim.
Indecifráveis, pequenos e escrupulosamente orgulhosos.
Sento-me e espero que se esgote naquela garrafa que abraço.
Há quereres desbotados e disparatadamente melindrados.
De um sentir incauto e demasiado frágil.
Deixo que a chuva escorra por mim e inunde tudo.
Que se encharquem todas as palavras e gestos rotos.
Quero fechar os olhos e ver o momento esvair-se.
Soltam-se os risos altos num tumulto de demência.
Entrego-me a uma dança de gestos confusos e tortos.
Prenúncio de indiferença de uma dignidade forçada e azeda.
Sorte ridícula de uma coragem que chega tarde.
Agora não há já nenhuma pressa.
Há só uma vontade de recusar um amor mutilado.
Na certeza de que a vida não se basta a metade.
Respiro fundo e, entre longos tragos, vou bebendo.
Tem sabor de liberdade.
Recomponho o veludo esfarrapado de uns joelhos massacrados.
Se nos deram pés não foi para rastejarmos.
Ergo a cabeça e, com calma, sigo adiante em passos de paz.
Agrada-me que o dilúvio apague as pegadas que deixo para trás.
Porque o que ali fica não chega…